domingo, 31 de julho de 2011

Destino?

Lino terminou de guardar suas coisas, verificou algumas outras questões técnicas e desceu, ainda pensando naquele olhar. Fora então surpreendido, já lá embaixo, por Iasmyn, encolhida.
- Ainda aqui?
- Chovendo, pra variar! Vou esperar a chuva passar para ir até o ponto de ônibus.
- Onde você mora?
- Na Zona Oeste da cidade, é longe!
Lino ficou em dúvida se seria muita pretensão oferecer-lhe a carona até em casa...
- Neste caso, estou de carro e lhe ofereço uma carona até o ponto de ônibus!
- Imagine, não né!
- Eu insisto.
- Está bem!
O caminho de Iasmyin até o carro de Lino foi curto, mas longo demais em se tratando do entusiasmo que ele sentiu. Era como se Iasmyn tivesse que conhecer todos os segredos de Lino, que, cavalheiro, abriu a porta e a convidou para entrar. Antes de sair, abriu o cinzeiro para pegar uma moeda, uma ajuda ao "flanelinha",  quando um baseado apontou para cima. Lino ficou envergonhado, mas não exitou em comentar:
- Desculpa, estou envergonhado com essa ponta aí, não conte para ninguém, por favor.
- Não acredito! Fazia tempão que queria dar uns pegas, posso acender?
- Quer saber? Não vou te levar em ponto de ônibus coisíssima nenhuma, vou mesmo te levar na Zona Oeste!
Os dois foram mantendo os primeiros contatos daquele dia, chegaram no destino de Ias, estacionaram, fecharam mais um baseado e a conversa continuou até que Lino se precipitou:
- Estou sentindo dez tipos de tréco por você, inclusive tesão, mas não vou te beijar.
Sem palavras, Iasmyn apenas olhou para Lino, até com um ar de pavor, deixando fluir um aroma  hormonal, suave e que cada vez mais foi tocando-lhe a alma. Assim, excitados de todas as formas, despediram-se. Foi inevitável a espiada que Lino deu para a silhueta de Ias enquanto ela desaparecia no horizonte. Não só espiou, analisou os movimentos, a posição das marcas da calcinha e a forma como aquele corpo, aquela mulher, provocava-lhe, e já dava vontade de estar junto novamente.

Um ano antes

Aquela tarde poderia ter sido igual a tantas outras se Ias não tivesse aparecido na sessão de fotografias de um colega. Na verdade, quem coordenou a aula foi o próprio Lino, fotógrafo da Terra Habitada Imagens - THI, em substituição a Diogo, que faltara por causa do nascimento do filho. A cada semana, um fotógrafo é convidado a dar aula para os novos fotógrafos e assim sucessivamente.
Mas nada disso importou depois que Lino avistou seus olhos pela primeira vez. Ela utilizou-se de um poder que só as mulheres têm. Um homem pode olhar o quanto quiser para uma mulher, o mais profundamente, mas caso essa  mulher não queira corresponder, este olhar será em vão e logo uma sensação de frustração lhe tomará conta. Não foi o que aconteceu. Antes mesmo de ouvir seu nome, Lino já estava hipnotizado, ansioso para que chegasse a vez dela de se apresentar.
- Ias.
- O quê? A turma não entendeu!
- Ias!
- Ias?
-Iasmyn, 27 anos, estudava fotografia no Rio de Janeiro e agora voltei para casa, mas quero continuar meus estudos por aqui.
- Ah, legal, então será útil para ajudar com os colegas nos exercícios!
É claro, todos entenderam que algo de estranho aconteceu. A aula continuou e os olhares também. E foi dado o final, os alunos foram indo, mas Ias foi ficando. Não, não aconteceu nada neste momento, ela se despediu e desceu. Lino até pensou em tomar uma atitude, quis que ela tivesse ficado até guardar suas coisas, enfim, ficar a maior parte do tempo possível com aquela sensação de hipnoze.

Fantasias do passado

Lino não aguentava mais os fantasmas que lhe atormentavam quando acordou decidido. Iria ao estúdio fotográfico. O pensamento era cada vez mais fixo enquanto sentia o aroma do café. A sutileza dos goles acompanhava as ideias, todas formadas por lembranças nada tensas, se comparadas com seus últimos dias. E assim saiu, com o ar nostálgico que o levava até a forma que a voz dela entrou pela primeira vez em seus ouvidos. Aí é que começam as lembranças. Em um mundo inerte, Lino tem certeza que eram só fantasias, mas naquele instante, tomaram conta das próximas ações, tanto que nem percebeu-se dirigindo. Já estava em frente ao estúdio. Ela teria que chegar a qualquer momento, ou sair. Para garantir que não a perderia de vista, estacionou em frente à porta. Enquanto olhava para um lado e outro da rua, sem deixar de observar cada cabelo comprido que entrava e saía, e agora sem a responsabilidade do trânsito, Lino entregou-se definitivamente às suas próprias alucinações do passado.