quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Idem com batatinhas, catchup, mostarda e maionese

                Uma semana havia passado. Seria o segundo dia que Lino encontraria o grupo de novos fotógrafos. Por isso amanhecera preocupado. Já tinha-se dado conta de duas coisas: a primeira é que não conseguia tirar aquela mulher de seu pensamento. A segunda, um pouco mais complexa, é que aquela mulher  era uma das fotógrafas de sua equipe provisória. O que faria? Como agiria perante os outros integrantes da equipe? Já tinha vivido tanto com ela em apenas uma semana que não sabia como evitar seus olhares. 
A Terra Habitada Imagens estava sendo administrada por um charlatão, que convenceu os investidores a dar-lhe a direção. Não pela aparência física, obesidade é uma doença que não incide sobre o caráter. O homem era tão boçal que os funcionários o cumprimentavam quando ele chegava e saía, não por vontade de compartilhar os votos de bom dia, mas para ter a segurança de que não seriam o próximo da lista a ser insultado com maledicências. Não que isso ajudasse em algo.  A preocupação de Lino era justamente que esta história chegasse aos ouvidos deste novo diretor. Seria demitido na certa.
Ao chegar no estúdio, Lino foi recebido justamente pelo tal diretor, que o cumprimentou secamente, mas Lino fez como se não o estivesse escutado, por estar um pouco longe, passou sem olhar. Como chegara cedo, o estúdio G, no subsolo, ainda estava vazio, mas tão logo arrumava o tripé a equipe começava a chegar. Todos chegaram, menos Iasmyn.  O que teria acontecido? Teria ela desistido do emprego de fotógrafa, só por causa da semana intensa que tinham vivido?
Os fotógrafos já estavam com suas câmeras em mãos, quando a porta do estúdio foi aberta, rompendo o silêncio. O coração de Lino disparou, mas ele não disse nada. Ela também não disse, entrou quieta e seus passos até a junto da equipe serviram de marcação para as próximas explicações de Lino, até que Iasmyn se acomodou.
Os trabalhos continuaram e Lino passou a fotografar à equipe, só que pediu que olhassem para a lente, não o contrário, para fazer o contraponto do não olhar. Só que  uma coisa lhe incomodava. Iasmyn não havia olhado para a lente nenhuma vez.  Seus olhos olharam para os seus o tempo todo, mas nas fotografias ela desaparecia. O que estaria sentido? Estaria ela abominando o que tinha acontecido e por isso estava querendo representar isso na arte fotográfica? Já no final dos trabalhos e não suportando à pressão das circunstâncias, Lino dispara.
- Iasmyn, olhe aqui!
Ela olha e ele fecha a foto.  Pronto, era  o que queria, uma fotografia daquele olhar. O problema é que só ela olhou e os outros ficaram olhando-se sem entender. Lino agiu como se nada tivesse acontecido e concluiu os trabalhos solicitando que todos fotografassem os olhares uns dos outros. O tempo estourou, as pessoas foram saindo, Iasmyn e Lino foram ficando, ficando, até que, pronto, a sós, começam a rir.
Lino entende tudo. Ela estava sendo discreta, o que ele não fora em um segundo sequer. Guarda seu equipamento, ela ajuda. Na saída, acharam melhor subir de escada  - o estúdio G ficava no subsolo e não suportariam pegar o elevador e ter que ficar sem olhar-se. Foi a primeira leva de escadas para pararem e então se abraçar, para depois começar a se beijars. Foi instantâneo e ao mesmo tempo que pararam no meio das escadas e buscaram-se um ao outro, em beijos famigerados . De repente, Iasmyn abre os olhos e diz, ainda com a boca na boca de Lino:
- Tem uma câmera ali.
Sem tirar a boca da boca dela, ele responde:
- Vamos fingir que nada está acontecendo e vamos subir numa boa, sem olhar prá ela.
Dando gargalhadas, sobem às escadas até a saída do prédio. No hall, são surpreendidos pelo diretor. Ambos pensaram que ele tinha assistido às imagens, mas resolveram passar quietos. E assim o fizeram, passaram, nem piscaram, apenas caminharam, Lino só limitou-se a dizer duas palavras, dirigidas diretamente ao diretor.
- Bom descanso!
O diretor concordou, mesmo de cara fechada. E saem tranquilos, caminhando em direção ao estacionamento. Entram no carro e saem das imediações da THI. Iasmyn propõe apresentar-lhe um lugar, argumentando que era onde la gosta de estar para pensar nas coisas de sua vida.
- Fica na zona Oeste mesmo, perto da minha casa!
- Que lugar é esse?
- É o meu casulo, é onde eu me recolho para minha metamorfose, às vezes ela é profunda e silenciosa.
Guiado por Iasmyn, Lino estaciona em frente a uma enorme gruta. Havia água vertendo de cima em abundância e também borboletas coloridas, junto com outros pássaros. Também flores espalhadas com uma vegetação rasa que, por mais que tentasse, não conseguia esconder algumas árvores nativas que pareciam se debruçar sobre a cachoeira.
- É aqui!
- Eu não sei o que to sentindo, Iasmyn, só sei que não to conseguindo esconder.
- Gosta de batatinha frita?
- Gosto, mas o que tem a ver?
- Com catchup, mostarda e maionese?
- Gosto, mas o que tem a ver?
- É muito melhor, não é?
- Claro que é! Mas Iasmyn, o que tem a ver?
- Então idem com batatinhas e catchup e mostarda e maionese!
Longo silêncio. Os olhares dos dois permaneceram fixos.  Apenas seguravam as mãos. Talvez até para quebrar o silêncio, Lino é o primeiro a se pronunciar.
- Tenho uma viagem marcada para daqui quatro dias.
- Para onde tu vai?
- Para a capital, preciso resolver umas questões pessoais.
Iasmyn fica novamente em silêncio e sem saber o que dizer, mas Lino conclui à queima roupa seu pensamento:
- Quer ir comigo?
Ela continua em silêncio, mas não por muito tempo, uma resposta apaixonante viria de seus lábios.
- Podemos ter nossa primeira vez nesta viagem!

Nenhum comentário:

Postar um comentário